Companhias investem em programas contra corrupção

Empresas que já possuem programas de compliance, com vistas a evitar fraudes e descumprimento de normas legais, têm procurado profissionais especializados para revisar suas orientações internas. O motivo é a entrada em vigor, no dia 29, da Lei Anticorrupção brasileira (Lei nº 12.846, de 2013). Segundo especialistas, a preocupação afeta principalmente multinacionais e companhias de capital aberto, que têm adotado novos canais para denúncias anônimas e auditorias internas e de parceiros comerciais e, ainda, aperfeiçoado o código de ética para relações com órgãos de governo.

A maior parte dos pedidos vem de empresas de grande porte. Segundo a advogada Milena Mazzini, do MHM Advogados, a norma, porém, tem mexido com companhias de médio porte que participam de licitações.

Sidney Ito, sócio responsável pela área de gestão de riscos da KPMG, afirma que a consultoria tem trabalhado para auxiliar empresas a instaurar ou ajustar comitês de auditoria. Até mesmo para companhias que já possuem auditorias bem estabelecidas. “As empresas têm nos chamado para ajudar a melhorar a estrutura de gerenciamento de riscos”, afirma.

Outra demanda que tem crescido é o de auditorias pré-compra, afirma Ronaldo Fragoso, sócio responsável pela área de soluções para riscos empresariais da Deloitte. Pela nova lei, no caso de fusão ou aquisição, o novo dono poderá ser responsabilizado por um ato de corrupção da empresa adquirida, mesmo que o ato tenha ocorrido antes da compra. “Temos sido contratados com frequência para avaliar esse risco”, diz.

Segundo Fragoso, uma das principais lacunas das empresas brasileiras, a inexistência de canais de denúncia anônima, tem sido preenchida, em razão da nova lei. De acordo com a norma, as empresas que delatarem delitos ocorridos na estrutura interna e colaborarem com as investigações podem ter penas reduzidas ou até zeradas.

“Em visita a uma farmacêutica nos Estados Unidos vi que, em cada parede da fábrica, havia uma placa incentivando a denúncia anônima. É um comportamento que tende a ganhar espaço por aqui”, afirma Eduardo Sampaio, presidente da FTI Consulting.

Para especialistas, as multinacionais e empresas com títulos negociados nos Estados Unidos estão mais bem preparadas para cumprir a Lei Anticorrupção brasileira. Essas companhias já estão sujeitas ao Foreign Corrupt Act Pratices (FCPA), legislação com mais de 30 anos que prevê penas duras para companhias envolvidas em casos de corrupção, no território americano ou exterior. “Essas companhias têm trazido sistemas [tecnológicos] mais avançados, que conseguem processar dados e chamar a atenção, caso haja alguma movimentação anormal na empresa, para que ela seja investigada”, diz José Paulo Rocha, da área de finanças corporativas da Deloitte.

A AES Brasil – holding que controla as elétricas Eletropaulo e AES Tietê – já está adaptada ao FCPA, pois tem capital americano. “Feita a revisão do nosso programa de compliance após a publicação da Lei Anticorrupção brasileira, entendemos que nosso programa é suficientemente robusto para cumpri-la”, afirma a diretora de compliance Ana Carolina de Salles Freire, que coordena um time de 14 especialistas. Segundo ela, são feitas investigações para verificar cada denúncia anônima de funcionário via “help line”. Em 2010, por exemplo, foram registradas quase 300 denúncias.

A AES Brasil – holding que controla as elétricas Eletropaulo e AES Tietê – já está adaptada ao FCPA, pois tem capital americano. “Feita a revisão do nosso programa de compliance após a publicação da Lei Anticorrupção brasileira, entendemos que nosso programa é suficientemente robusto para cumpri-la”, afirma a diretora de compliance Ana Carolina de Salles Freire, que coordena um time de 14 especialistas. Segundo ela, são feitas investigações para verificar cada denúncia anônima de funcionário via “help line”. Em 2010, por exemplo, foram registradas quase 300 denúncias.

Segundo Ana, o programa de compliance da AES Brasil tem outros dois pilares importantes: o “treinamento de FCPA” com todos os funcionários da companhia e o “compliance contratual” pelo qual são feitas auditorias preventivas de terceiros com quem a AES Brasil fará negócios. “Pela ‘due diligence’ verificamos se a empresa existe, se é idônea e se atua com valores morais similares aos nossos”, diz.

Enquanto não é editada a regulamentação da nova lei, a aplicação do FCPA vem sendo a melhor solução adotada pelas empresas. Essa é a orientação do gerente de auditoria interna e compliance da Qualicorp e diretor de certificações do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil), Igor Estrada Gouvêa. Conforme a interpretação da lei, se for provado que há um efetivo programa de compliance, a pena da empresa envolvida em caso de corrupção poderá ser atenuada.

Segundo ele, o treinamento específico para departamentos que de licitações também vem ganhando adeptos. “É preciso deixar claro inclusive se é possível levar um funcionário público para jantar e até quanto gastar para não configurar vantagem indevida. Quando trata-se de um brinde, é permitido dar uma caneta, por exemplo, mas não uma Mont Blanc”, afirma. Em alguns casos, os valores máximos de presentes são especificados nos códigos de conduta das empresas. “A orientação mais conservadora é R$ 100″, diz.

A área de compliance do escritório de advocacia TozziniFreire registrou um aumento de 40% no número de solicitações para programas de compliance no segundo semestre de 2013, em comparação ao primeiro semestre. Além disso, o escritório recebeu mais de 25 pedidos de consultas para um melhor entendimento da nova lei. “Hoje, em 70% das fusões e aquisições, investidores estrangeiros pedem a auditoria de compliance e anticorrupção da empresa investida”, afirma Renata Muzzi Gomes de Almeida, sócia do escritório de advocacia. “Já houve caso de fundo de private equity com participação minoritária exigir essa auditoria.”

Segundo ela, há companhias que agora evitam a contratação de intermediários, como despachantes aduaneiros para tratar com órgãos públicos. Esses profissionais obtêm documentos essenciais para os negócios, como licenças ambientais, em nome da empresa. “Ao levar esse trabalho para dentro de casa, as companhias procuram ter mais controle sobre isso”, diz.

Decreto trará regras para redução de penas

A regulamentação da Lei Anticorrupção brasileira deve ser publicada apenas alguns dias antes da sua entrada em vigor, em 29 de janeiro. A informação é da Controladoria-Geral da União (CGU), que adiantou ao Valor alguns critérios que serão usados para caracterizar um programa de compliance efetivo. Isso é o que as empresas mais aguardam da regulamentação porque definirá a possibilidade de redução de multa, no caso de envolvimento com corrupção.

De acordo com o artigo 7º da Lei Anticorrupção, “serão levados em consideração na aplicação das sanções: a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.

Por isso, especialistas interpretam que empresas com programas de compliance e controles internos adequados poderão ter multas reduzidas se flagradas em alguma situação ilícita. “A ideia é atribuir à empresa a responsabilidade pelos atos de seus funcionários, e, nesse sentido, a companhia passa a ter que garantir a fiscalização dos mesmos”, afirma Isabel Franco, sócia responsável pela área de anticorrupção e compliance da KLA Advogados.

Segundo a CGU, a minuta do decreto regulamentador – que está sendo elaborado – procura tornar um pouco mais claro os pontos a serem considerados para a atenuação da pena, que seriam: “a não consumação do ato lesivo por circunstância alheia a atuação da pessoa jurídica; a comprovação de que a pessoa jurídica possui e aplica um programa de integridade estruturado e efetivo; a comunicação espontânea pela própria pessoa jurídica acerca da ocorrência do ato lesivo à administração pública, antes da instauração do processo de responsabilização; a comprovação de que a pessoa jurídica ressarciu os danos que tenha dado causa e; o grau de colaboração da própria pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo por ela praticado.”

A multa que pode ser imposta às empresas varia de 0,1% a 20% do seu faturamento bruto. Segundo o advogado Sérgio Varella Bruna, do Lobo & De Rizzo Advogados, o percentual é alto, principalmente para as indústrias, que têm margens de lucro muito baixas sobre o faturamento, geralmente de 1% a 3%. “Ou seja, a multa pode corresponder ao lucro de vários anos”, diz.

Segundo o advogado, a lei deixa claro que a autodenúncia pode levar a empresa a conseguir a redução de até dois terços do valor da multa. Mas não está claro qual a redução para quem provar ter um compliance robusto.

Natalia Viri e Laura Ignacio – De São Paulo
VALOR ECONÔMICO – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

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